quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Onde guardo estas saudades?

 
 
13 de novembro de 2014. Farias hoje 102 anos.

Perdi-te há 25 dias. Desde aí, tudo serve para distrair. A luta contra o tempo que voa todas as manhãs, não posso esquecer a chave do carro, o telemóvel, o guarda chuva, o saco da marmita...rápido, há um autocarro para apanhar; é preciso comprar fruta; há que tirar a esteira do terraço... vai chover e depois estraga-se; temos de preencher o formulário do IMI; e o raio do cliente que só pede propostas e não avança com nada;  tenho de ligar para o infantário a pedir o horário das rotinas, é preciso ir habituando o miúdo; este fim de semana vamos lá cima, é melhor porque no último do mês há um aniversário; o meu pai também vai fazer anos, há um casaco giro na Mo igual ao que lhe queria dar, convém aproveitar o talão com desconto... termina dia 17; já não uso estas botas, estão novas... tenho de as fotografar e meter no OLX; falta pagar o condomínio; e as respostas que não chegam? ... o deadline para as enviar ao jornalista era hoje; vá lá que a greve do metro foi cancelada; tenho de meter quinoa na lista das compras, daquela branca porque da castanha ainda há; e escolher as fotos para revelar, é preciso selecioná-las a tempo de oferecer no Natal; tenho de ir à farmácia comprar a segunda dose da vacina, convém dar antes que ele vá para o infantário... pode dar febre, aproveito e levo as radiografias, estão outra vez com aquela campanha de recolha; amanhã tenho um almoço com a Rita, não posso esquecer... benditos lembretes de telemóvel.

É urgente ocupar a cabeça. Preencher o tempo. Se o tempo estiver ocupado, a cabeça não tem tempo para pensar. É urgente que não me lembre que já não estás cá. Que não sobre um segundo sequer para me lembrar.

À noite é mais difícil. Quando me sento na sala, à espera que Baby Caco adormeça. É na penumbra, com o meu anjo a dar voltas no sofá que olho para a moldura com a foto que tirámos a 24 de dezembro. Ele tem a coroa de bolas e tu o barrete de pai Natal. Foi difícil tirar. Ele tentava arrancar aquilo da cabeça, lembras-te? Mas insitistimos. Era preciso uma recordação daquele Natal. Se calhar, podia ser o último. No ano anterior temi o mesmo. E no anterior a esse também.

Neste já não vai ser assim. Talvez não vá saber ocupar o vazio. Da mesma forma que agora não sei onde guardar estas saudades.

É preciso ocupar o tempo.

4 comentários:

  1. Ocupar o tempo é uma boa terapia. Mas a melhor mesmo é "fazer o luto" seja ele qual for.

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  2. É impossível ficar indiferente a este teu texto.

    Um beijinho com mimo

    http://agatadesaltosaltos.blogspot.pt/

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  3. A minha avó querida, a minha Babá, já foi há 17 anos, e as saudades não atenuam...

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Deita cá para fora!