Hoje o meu avô faria 110 anos e, dentro de cinco dias, o meu
pai faria 80.
Não sei jogar xadrez, mas se a minha vida fosse esse jogo,
eles seriam das peças mais importantes. Aquelas que eu não poderia nunca perder
para conseguir chegar ao fim. Talvez só se tenham cansado de jogar.
O meu avô foi o primeiro e único morto que abracei. Tive uma
sensação estranhamente real, bastante física até, de que ele apenas deixara ali
um “invólucro” para poder, finalmente, cumprir as suas vontades.
Era como se
aquele corpo já não lhe servisse para mais nada e talvez precisasse ir buscar
o trator para ver como estavam as videiras ou como estavam
a crescer os kiwis que a minha tia dizia que estavam tão grandes que já trepavam
o muro do vizinho. O problema “era só os joelhos”. Os malditos joelhos que
teimavam em limitar-lhe as vontades. E, de repente, estava eu ali, abraçada a um
corpo vazio e gelado. Eu, uma absoluta
descrente.
Não preciso fechar os olhos para conseguir, sem grande
esforço, ouvi-los a conversar.
Hoje talvez estivessem a combinar o dia em que o
meu pai chegaria à aldeia para aquecer a casa para o Natal, ou sobre as
maleitas do “Boneco”, o cão que já estava a ficar velhinho, ou mesmo sobre as
castanhas que este ano não andam famosas.
Ainda não sei como se continua este jogo quando nos faltam
estas peças, mas talvez por isso é que nunca o aprendi a jogar.
Às vezes parece
não fazer nenhum sentido, mas quero acreditar que é por lá que andam os dois agora. Naquele sítio onde moram as pessoas cujos corpos
já não lhes servem.