quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A varanda da casa da aldeia.


A varanda da casa da aldeia faz parte das minhas recordações de infância. Aos meus olhos de criança, parecia-me um corredor imenso onde me divertia a correr, de uma ponta à outra, ou a espreitar o mundo cá fora, através da grade de ferro por onde enfiava as pontas dos pés.
 
Em Fevereiro, pelo Carnaval, fugia de lá como o diabo da cruz. Era ali que a família se reunia para ver passar o desfile com os gigantones e eu, morta de pânico daquelas cabeças colossais que encostavam os olhos aos meus através das grades, corria a enfiar-me na cozinha, com o traje de minhota que a minha mãe insistia em vestir-me. Era isso ou palhaço. Mal por mal, a esta distância, acho que sempre ficava melhor de minhota.
 
No Verão, sentava-me num pequeno banco, arranjava uns lápis, uns papéis e um bocado de madeira - que ia buscar à caixa da lenha e que passava perfeitamente por um telefone -, e ali fazia de conta que era secretária. Sempre achei o máximo ser secretária. Era isso ou educadora de infância. Mal por mal, a esta distância, ainda bem que não fui nenhuma das duas.  
 
A 15 de Agosto, era ali que penduravam os altifalantes que nos faziam acordar às 6h da manhã com uma música estridente, não muito diferente da que se ouve agora na festa da aldeia. No Natal, era também dali que via, no cimo da estrada, a igreja iluminada para a Missa do Galo.
 
Em adulta, foram poucas as vezes que voltei àquela varanda. A casa ficou desabitada e foi reconstruída há alguns anos atrás pelo meu pai. Desde aí, temos voltado no Natal e na festa de Agosto. Os altifalantes continuam a ouvir-se, mas já não é ali que os penduram.
 
Este Verão, pela primeira vez, levei Baby Caco. Atravessou-a de uma ponta à outra, vezes sem conta. Acredito que, aos olhos dele, também lhe parecia um corredor gigante. Enfiou as mãozinhas nas grades e olhou o mundo cá fora.

Não havia gigantones, luzes na igreja, nem pedaços de madeira a fazer de telefone. Desta vez, era apenas eu e ele. Sentei-me naquela varanda, que agora me parecia bem mais pequena, e fiquei a vê-lo correr à mesma velocidade que as minhas recordações.

2 comentários:

  1. Que giro. As minhas Ms. também adoram estar na varanda da casa da avó, lá no norte, a observar quem passa e o mundo lá fora. Que acham elas ser muito grande. Para mim nunca foi grande, pois a avó mudou-se para a nova casa no ano em que me casei.

    ResponderEliminar
  2. O texto está fantástico e faz-nos voltar à tua varanda, que nunca conheci. :)
    As recordações, para mim, fazem parte do nosso crescimento. E não é ficar preso ao passado, é sim, ver o futuro de outra forma.

    ResponderEliminar

Deita cá para fora!