segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A noite em que quase ensandeci



Cenário: Fim de semana em casa dos avós. Baby Caco adormece num quarto que não é o dele.

4h37 – Acorda a chorar. Tento acalmá-lo. Não resulta. Percebe que está num sítio diferente. Olha atentamente para todo o lado. A luz do candeeiro da mesa de cabeceira é bem mais forte do que a luz de presença a que está habituado. Fica deslumbrado com a parafernália de objectos novos e decide encarnar o espírito do Robinson Crusoe.
5h04 – A odisseia continua. Tudo é razão para se distrair. Ponho uma fralda em cima do candeeiro. Assim está melhor. A luz ficou mais ténue, mas ainda suficientemente forte para que uma simples almofadada lhe provoque o mesmo fascínio que uma tartaruga gigante das Galápagos. 

Embalo-o na esperança que adormeça. Nem pensar. Está mais desperto do que um caloiro em noite da queima. Ponho-o na cama com os bonecos que costumo deixar cá ao fim de semana. Fica histérico e percebo que a ideia foi péssima. Só os vê de 15 em 15 dias, por isso deve ter imensa coisa para contar.
Volta para o meu colo. O pijama é de cetim e ele escorrega por mim abaixo. Não há nada a fazer. Deito-o, desta vez, na minha cama. Insiste em levantar-se. Descobre o interruptor em forma de pêra e não o larga. Tem um fascínio por tudo o que se assemelhe a pêndulos. Em casa é igual. Tento escondê-lo com uma almofada mas ele percebe. É ainda pior.

5h22 - Continua  agarrado à cabeceira da cama a mexer em tudo o que as mãos conseguem alcançar. A Volta ao Mundo em 80 dias é coisa de meninos, comparada com o que tem para explorar.Cai. Levanta-se. Volta a cair. Volta a levantar-se. Cai outra vez. Volta a pôr-se de pé.

5h34 – Cheira-me a queimado. É o raio da fralda que está no candeeiro. Tiro-a e enfio-o debaixo da cama. Ele percebe e subitamente descobre que há toda uma galáxia por descobrir, também debaixo da cama. A luminosidade não melhora. Empurro o candeeiro ainda mais para o fundo. Tenho sono. Muito sono. Ele não desarma. Continua a gincana nocturna. Agora a raspar os dentes no metal da cabeceira. Ao menos consola-se.
6h02 - Continua a raspar. E se arranca a tinta e se engasga? Forço-o a descer. Não adianta. Tem de se levantar. Nem que seja a última coisa que faça na vida, mas tem de se levantar. Preciso ir ao wc, mas se o deixo sozinho ele berra. Não aguento. Tenho mesmo de ir. Sento-o na cama dele e vou. Oiço-o a gritar. Faço o que tenho a fazer à velocidade da luz e regresso num sprint  com as calças na mão. Ali está ele, sentado na cama, de lágrima no olho, a fazer beicinho. Quando me vê, levanta-se e  retoma o ar de explorador.
6h23 – Decido ignorá-lo. Finjo que estou a dormir mas vejo-o de olhos escancarados a olhar para mim fixamente. Faço-me de morta. E ele parado, a olhar. Como se estivesse a confirmar se estou ou não a fingir.
 
6h31  – Acredita que estou realmente a dormir e solta um berro agoniante. Desata a chorar. Pego nele. Tento adormecê-lo. E ele a escorregar. O raio do cetim não perdoa. Tira a chupeta da boca e começa a fazer malabarismos, como se dissesse: “olha mãe, agora só com um dedo, olha, agora de uma mão para a outra sem deixar cair, olha mãe, agora presa por uma unha…”. Berros. A chupeta caiu. Tenho de ir ao wc lavá-la, mas como? Vai voltar a gritar. Desisto. Rezo para que estes micróbios sejam inofensivos e que a criatura não me apanhe uma infecção nos próximos 3 anos porque vou sempre achar que foi disto.

7h01 – Deito-o comigo. Olha-me nos olhos enquanto me explora a fronha. Nada o fascina mais do que o interior das minhas narinas. Mentira. O interruptor sim, mas agora já está escondido. Descobre sítios no interior da minha boca que eu nem sabia que existiam. Puxa-me as pálpebras e enfia-me os dedos pelo globo ocular, enquanto me pressiona a glote. Percebo que lhe devia ter cortado as unhas. Nem me mexo. Há-de cansar-se.

7h23 – Nova investida para trepar na cabeceira da cama. Estou  em desespero total, a pensar quando é que isto vai acabar.Tenho sono. Muito sono.

7h41 – Continua de pé. Parece mais calmo. Esfrega os olhos. Pego-o ao colo a ver se adormece. Consigo mantê-lo encostado a mim, mas com a cabeça virada para o espelho. Fica quieto e eu sempre com aquele embalo monocórdico a ver se ele se rende. Vou controlando através do espelho. Não se mexe, mas continua de vigia. Não vá alguém assaltar o acampamento em que, entretanto, aquele quarto se transformou.
7h50 - Olhos esbugalhados. E eu nem mexo.  O braço começa a dar sinais de que não vai aguentar aqueles 10 kilos de gente por muito mais tempo. Mas tem de ser. Agora não posso mexer. Ele encosta a cabeça mais perto. Primeiro sinal de rendição. Rezo aos anjinhos. Continua sereno mas acordado. O meu braço está dormente. Acho que não vou aguentar mais. E se perco as forças e o deixo cair?

8h06 - Cada segundo parece uma hora. O braço já treme e eu de olhos fechados a tentar ir buscar forças não sei bem onde.  Ele boceja. A chupeta cai mas eu apanho-a a tempo e aproveito aquele momento para me sentar na cama e mudar de posição. Alívio. Continua encostado a mim, de olho aberto. Colo o meu rosto no dele e ficamos ali em silêncio. Cabeça dele a deslizar. Beijo-lhe a nuca morna. Ele quieto e eu com os lábios encostados. A respiração cada vez mais lenta e profunda. O despertador do vizinho toca e oiço o barulho dos aviões a descolar. E eu a pensar que bom que não vou lá dentro. Deus queira que não caia nenhum agora. Não vinha nada a calhar.
8h22 – Fechou os olhos. Parece que é desta. Sim. É desta.

Nota: Este lettering é diferente porque o texto foi escrito no computador do meu pai que, vá-se lá a saber porquê, não me permite publicar posts. De maneiras que agora fiz copy/paste e não há forma de conseguir alterar isto... 

6 comentários:

  1. Como te compreendo...já passei muitas noites como essas... e outras que só queria o meu colo (estando eu de pé).

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  2. vida de mãe não é fácil! eheheheh

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  3. Parti-me a rir.... ainda hoje o meu esteve acordado das 2h às 4h... no nosso meio porque eu já nao aguentava mais de sono. Ele eram pontapés, cabeçadas, puxadelas de cabelos.... um desespero!

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Deita cá para fora!