sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Perto disto, o "Terror na Autoestrada" é coisa para meninos.


Tenho uma memória de galinha e essa foi uma das razões que me fez criar este blogue, para poder debitar aqui algumas das peripécias que me acontecem, sobretudo as que envolvem Baby Caco, porque sei que quando ele fizer dois anos as probabilidades de não me lembrar se nasceu de cesariana ou de parto normal são elevadas.

Já ando para contar a história que se segue há muito tempo, mas como é um pouco longa, tenho vindo a engonhar. É uma história 100% real que - apesar de não parecer - aconteceu mesmo, de verdade, e que de tão mirabolante que é, podia perfeitamente ser contada hoje à noite durante o Festival Grant´s True Tales, na secção de contadores anónimos, onde estará o Factos de Treino a brilhar à força toda. E já que estão aí, anotem este nome que ainda vai dar muito que falar.

Mas voltemos ao que interessa. Isto passou-se quando eu tinha uns 22 ou 23 anos e começou quando eu e umas amigas decidimos, por galhofa, candidatar-nos ao "Assalto à Televisão", um concurso da RTP que era apresentado pela Carla Caldeira, tinha o Carlos Cruz, a Ana Bola e o Júlio Isidro como jurados e basicamente a ideia era fazer com que os candidatos passassem por situações absolutamente constrangedoras com o objectivo de seleccionar um futuro apresentador de televisão. Claro está que se soubesse ao que ía, teria ficado em casa a coser meias, mas enfim...

Bom, até aqui tudo bem. Fiz o casting e dias depois - apesar de muita hesitação - apanhei a Renex das 5 da manhã para chegar às 8 horas aos estúdios, em Lisboa. Lá fizemos as gravações que duraram o dia inteiro. Grande galhofa entre os concorrentes, almoço para cá, lanche para lá, "e que gira que foi a tua prova", "a tua também não esteve mal" e, ao fim da tarde, já éramos todos uns amigalhaços, tal qual como se tivessemos estado três meses fechados na Casa dos Segredos.

Fim do dia. Hora da despedida. Trocámos contactos (na altura não havia facebook), "ai e tu de onde és", "para onde vais", "como vieste" e vai que um dos candidatos também era do Porto e oferece-me boleia de regresso. Eu - com a ingenuidade típica dos 20 anos - feliz da vida, aceitei.

Seguimos caminho pela A1. Tudo tranquilo. A certa altura, começa a falar-me da infância, da relação conturbada com os pais e com a ex-mulher e, enquanto recordava alguns episódios do seu crescimento - até aqui aparentemente normais -, eu notava que ia falando com um tom de voz cada vez mais enfurecido. Não consegui perceber bem a razão, era como se estivesse a contar algo que o enervava verdadeiramente recordar, embora eu não tivesse perguntado nada sobre a sua vida.  

De repente, contou que, em tempos, tinha tido uma  experiência invulgar com a namorada. Tinham decidido percorrer o país à boleia, mas algemados. Isto é, entravam nos carros e assim que as pessoas perguntavam porque estavam algemados, eles respondiam: "Algemados??!? Mas quem é que aqui está algemado? Somos nós ou vocês?? Vocês!!!! Vocês é que estão presos às leis da vida!!" E dizia isto equanto gesticulava, braços no ar, gritos enfurecidos.

Eu, que nesta altura comecei a ver a minha vida a andar para trás, tomei consciência que tinha, rapidamente, de encontrar uma forma airosa de sair daquele carro. Decidi adoptar a estratégia de dar impressão que estava a achar tudo aquilo absolutamente normal e ia-me rindo à medida que ele ia contando episódios cada vez mais esquizofrénicos. A ideia (achava eu) era apanhá-lo desprevenido e, à primeira oportunidade, sair dali para fora. Rapidamente percebi que não seria fácil, já que ele tinha acabado de atestar o depósito, mal entrámos na autoestrada.

Entre as várias barbaridades que acompanhavam aquele discurso doentio, disse-me que entraram num clube secreto onde fizeram um pacto que os proibía de ver a luz do sol. Basicamente passavam os dias fechados em casa e à noite saiam para dançar nas campas dos cemitérios. Nesta altura, já com o coração a mil, soltei uma gargalhada e disse: "Ai, sim? Nos cemitérios? Mas que raio de ideia foi essa? Ahahahahahha!" (morta de cagaço). Ao que ele, furioso, responde: "Que raio de ideia, como???!? Querias que fizéssemos o quê?!!? Que fossemos para os jardins ver as FLORES A RIREM-SE PARA NÓS??!?" 

Sem pinga de sangue, esclareci: "Claro que não, isso assim não teria graça nenhuma". O tom e os temas da conversa foram piorando, num crescendo vertiginoso, que me fazia acreditar piamente que aquilo ia acabar muito mal, até porque no meio de cada história, ia dizendo que tinha uma coisa muito grave para me revelar. Todas as vezes que ele dizia isto, eu mudava de assunto porque o medo de ouvir o que ali vinha, fazia-me tremer mais do que uma brasileira em pelota pendurada num glaciar na Sibéria (por mais que esta imagem até possa ser interessante).

Rapidamente percebi que tinha de me preparar para saltar do carro. Discretamente, fui tentando tirar o cinto de segurança, sem que ele percebesse, apesar de ver a velocidade no visor do tablier e pensar que poucas seriam as hipóteses de me safar. Mas entre isso e levar com uma pontimola nos rins, mil vezes saltar da viatura.

Segue-se o ponto alto da viagem: furioso e a conduzir a uma velocidade considerável, diz-me que chegou um dia em que decidiu acabar com aquela vida. E eu, sempre a rir e a dar ar de que estava a achar aquelas histórias divertidíssimas,  respondo: "Ai sim? Decidiste abandonar o tal grupo?".

Ele: "Abandonar o quê?!? Eu não desisto de nada, ouviste??! Está claro?!? O que eu fiz foi decidir  acabar com tudo de uma vez! De uma só vez!!!"
Repentinamente, liga a luz do interior do carro e chapa-me os pulsos a um palmo do meu nariz. Aterrorizada, mas sem qualquer expressão, dou com duas cicatrizes, uma em cada pulso, com ar de não terem sido feitas com uma folha de papel.

A suar, tal como se andasse há dois dias a atravessar o Sahara, solto um, aparentemente, descontraído: "Mau Maria, então o que aconteceu, pá?".

Ele:"Já lá vamos... mas o que ainda não te disse foi que vamos ter de fazer aqui um desvio". 

Nesta altura, sai da A1 e entra por uma via que dá acesso às portagens do Pombal. Abranda e assim que chega à portagem, digo: "Ok, mas então deixa-me só aproveitar para ir ali fazer xixi num instantinho". Abro a porta do carro e caminho calmamente em direcção à casinha da Brisa que ficava mesmo ao lado da portagem, - a achar que poderia levar um balásio nas costas a qualquer momento -  apesar da minha vontade ser desatar a correr por ali fora, qual Francis Obikwelu.

Assim que chego à janela da dita casinha, já em pânico, digo ao homem da Brisa: "abra-me a porta por favor. Apanhei boleia de um psicopata que me quer matar e por isso, a partir de agora, você vai dar-me dois beijos e dizer que é meu tio. Vou dizer que nos encontramos aqui por acaso e que fico a dormir em sua casa e aproveito para visitar as primas".

O homem, atónito, abriu a porta, entrei e quando estava a encenar a cena dos beijos, vejo o esquizofrénico aproximar-se da dita janela. Antecipo-me ao homem da Brisa e digo: "Oh pá, nem vais acreditar... o mundo é mesmo pequeno... então não é que acabei de encontrar aqui o meu tio?" E blá, blá, blá... por ali fora. Ele "transforma-se" novamente na pessoa aparentemente normal que tinha sido durante toda a tarde e diz-me: "Ok, então tchau e até um dia destes!".

É aqui que começo a tomar consciência no que me tinha metido e fico ali a tremer que nem varas verdes, a tentar recompor-me para ligar aos meus pais - novamente com o ar mais natural do mundo -e pedir para me virem buscar, porque a pessoa com quem tinha apanhado boleia disse que teria de ir visitar os pais e eu decidi pedir-lhe para me deixar ali, de maneira a não perder mais tempo.

O tempo que se seguiu foi comigo, histérica, a contar ao homem esta história e ele sentado, calado, de olhos arregalados a ouvir atentamente e a terminar o meu relato desenfreado com a pergunta: "Mas menina, quando é que o programa dá na televisão?". 

Chegam os meus pais. Entro no carro, fingindo que tudo aquilo era muito normal. A minha mãe, furibunda: "Estou para saber que raio de ideia foi esta. Fizeste-nos fazer estes kilómetros todos, a estas lindas horas, só porque o rapaz ia perder tempo a ver os pais?! Sinceramente..."

E pronto. Neste dia percebi que todos temos de ter histórias para contar aos netos. Esta pode ser estranha, mas é a minha.

6 comentários:

  1. Credo..Acho que morria de medo, sou uma mariquinhas. Mas estiveste bem, saida inteligente! O meu marido costuma dizer-me que vivo no mundo das princesas, realmente, nem sonho as barbaridades que se vivem por este mundo e ainda bem.

    ResponderEliminar
  2. só espero, que a alminha não tenha dado boleia a mais ninguém....

    ResponderEliminar
  3. Então, mas ficámos todos sem saber como é que acabava a história do psicopata...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Exactamente, Smelly Cat. Fiquei sem saber duas coisas: 1º o que é que ele queria revelar; 2ª onde é que ele me queria levar com esse desvio. E, já agora, para fazer o quê... Se bem que, naturalmente, prefiro ter-me mantido na ignorância...

      Eliminar
  4. Há loucos para tudo... que sorte que tu tiveste, apesar de tudo! E sempre ficaste com uma história para contar... :)

    ResponderEliminar

Deita cá para fora!