Ontem à tarde deu-me uma camoeca. Almocei bem, fui passear com Baby Caco e quando cheguei a casa, vinha com tanta sede que abri o frigorífico e mandei abaixo um resto de melancia gelada o suficiente para me parar a digestão. Começou com uma dor de cabeça horrível que foi num crescendo até se transformar numa enxaqueca daquelas de mal conseguir abrir os olhos e que até nos fazem doer os dentes.
Estava em casa sozinha com Baby Caco e quando percebi que tinha acabado de vomitar o almoço e possivelmente os dois ben-u-rons que tinha enfiado goela abaixo, agarrei no telemóvel e, com muito esforço, mandei esta mensagem a marido Caco: "Aaandra pra aacasak. Nao mesinmto benm". Felizmente ele percebeu que era para vir para casa depressa porque eu estava mesmo a ver que não passavam cinco minutos até ficar estendida no chão da casa de banho, tal e qual como nos filmes.
Ele chegou, deitei-me na cama e as dores de cabeça eram tantas que o barulho de uma pena a cair em cima de uma nuvem, para mim, era o equivalente à implosão de um prédio de oito andares no bairro do Aleixo. É nesta altura que marido Caco se lembra de dizer a Baby Caco para ir fazer festinhas à mãe que está doente.
Se mal estava, pior fiquei. Baby Caco não é conhecido por ser um bebé afável e carinhoso, portanto eu já estava mesmo a vê-lo a saltar em cima do colchão, enquanto me dava alegremente com o comando da TV na cabeça e me pontapeava repetidamente o estômago.
Qual a minha surpresa quando a pequena criatura se deita em frente a mim, rosto a 3 cm do meu, e ali fica, impávido, sereno, a passar as mãozinhas pela minha cara, como que a fazer festinhas. E eu pensava: "Mas ele nunca fez festinhas. Ele sabe o que são, mas nunca fez. Isto vai durar mais 4 segundos e logo a seguir enfia-me o indicador pela pálpebra a dentro, sem dó nem piedade".
Não tinha forças para dizer nada. Portanto, fiquei ali quieta, na esperança de conseguir ter energia suficiente para o atirar contra a parede, assim que me rebentasse o globo ocular. Passaram aí uns cinco minutos. Ele continuava no mesmo registo. Às vezes, parava uns segundos e ficava a olhar para o infinito. E eu pensava: "É agora. Deus nosso senhor me proteja que ainda sou nova para ficar ceguinha". Uns segundos de pausa. E recomeçava.
A certa altura fui descontraindo. Percebi que aquilo era mesmo de verdade. O meu bebé estava preocupado comigo. O pai perguntava-lhe se ele queria ir jantar, mas ele não saiu dali um segundo que fosse. Acabei por adormecer com ele a acariciar-me o rosto. Quieto. Nunca esteve tanto tempo assim. Sereno. Só passava as mãozinhas na minha face e olhava para mim. Eu fechava os olhos por momentos e quando os voltava a abrir, ali estava ele. A olhar para mim. Como que a tomar conta.
E a cabeça continuava a latejar. E não podia tomar mais medicação porque não tinha a certeza se vomitara os dois comprimidos ou não. E mal me conseguia mexer. Mas o meu bebé estava ali a tomar conta de mim. O meu bebé que não faz carinhos, que quase não dá beijos quando lhe peço, estava ali a tomar conta de mim. Mesmo não sendo eu ainda velhinha.
E naquele momento, ali mesmo, com a cabeça a latejar e sem mal me conseguir mexer, tive uma certeza: só posso estar a criar um anjo.