domingo, 19 de novembro de 2023

Para onde vai o amor que não podemos viver?


Hoje farias 81 anos.

Continua a parecer-me impossível que o amor que nos unia não tenha agora forma de se manifestar.

Que desafio este de reaprender a viver com um coração órfão. Não vale a pena dourar o processo. Há mesmo um antes e um depois. E há o que fazemos com este depois que, bem vistas as coisas, é o mais importante.

Mas a nossa união era tão grandiosa que me parece inacreditável que este sentimento já não tenha casa. Para onde vai? E não me refiro só ao nosso. E o de tantos pais e filhos que se separam por este mundo fora? Ao longo de tantas gerações?

O que será feito do amor que já não se pode viver?

Depois lembro-me que tu bem dizias que penso demais. Se calhar tens razão. Há coisas que nunca mudam. 

Parabéns, Pai. 

Ainda não deixei de acreditar.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Quando os corpos já não nos servem.

 

Hoje o meu avô faria 110 anos e, dentro de cinco dias, o meu pai faria 80.

Não sei jogar xadrez, mas se a minha vida fosse esse jogo, eles seriam das peças mais importantes. Aquelas que eu não poderia nunca perder para conseguir chegar ao fim. Talvez só se tenham cansado de jogar.

O meu avô foi o primeiro e único morto que abracei. Tive uma sensação estranhamente real, bastante física até, de que ele apenas deixara ali um “invólucro” para poder, finalmente, cumprir as suas vontades. 

Era como se aquele corpo já não lhe servisse para mais nada e talvez precisasse ir buscar o trator para ver como estavam as videiras ou como estavam a crescer os kiwis que a minha tia dizia que estavam tão grandes que já trepavam o muro do vizinho. O problema “era só os joelhos”. Os malditos joelhos que teimavam em limitar-lhe as vontades. E, de repente, estava eu ali, abraçada a um corpo vazio e gelado. Eu, uma absoluta descrente.

Não preciso fechar os olhos para conseguir, sem grande esforço, ouvi-los a conversar. 

Hoje talvez estivessem a combinar o dia em que o meu pai chegaria à aldeia para aquecer a casa para o Natal, ou sobre as maleitas do “Boneco”, o cão que já estava a ficar velhinho, ou mesmo sobre as castanhas que este ano não andam famosas.

Ainda não sei como se continua este jogo quando nos faltam estas peças, mas talvez por isso é que nunca o aprendi a jogar. 

Às vezes parece não fazer nenhum sentido, mas quero acreditar que é por lá que andam os dois agora. Naquele sítio onde moram as pessoas cujos corpos já não lhes servem.